O Trabalho, a Reforma e o Estado Social

Não vou tratar aqui em profundidade estes temas, deixo isso aos tratadistas, apenas vou abordar algumas verdades indesmentíveis, na minha opinião, pelo que não espero que todos os leitores estejam de acordo comigo.

Em eras primitivas, a caça e a recoleção de alimentos era feita pelos mais vigorosos, a distribuição era feita de igual forma por todos os elementos da comunidade. Da mesma forma, hoje há uma parte da sociedade que trabalha para o bem de todos. O problema situa-se no tempo de trabalho ao longo da vida, o que se recebe na reforma e a existência do estado social.

A idade da reforma tem que ser inferior à esperança de vida, se assim não fosse condenávamos as pessoas a trabalhar até ao fim da vida o que não é aceitável. Contudo, o resultado do trabalho de hoje tem que ser repartido para a subsistência actual da família, para um “mealheiro” da reforma, para a saúde, para a educação, bem como para a segurança e administração do bem comum.

Considerando a idade de reforma aos 67 anos e a esperança média de vida de 80 anos, quem começou a trabalhar com 18 anos trabalha 49 anos e quem começou a trabalhar aos 25 trabalha 42, têm 13 anos, em média, talvez mais talvez menos, para usufruir do que descontaram ao longo da vida profissional.

Como o que se desconta para a reforma é uma parte do ordenado, então não se pode exigir que o valor da reforma seja igual ou muito próximo do valor do ordenado enquanto trabalhador activo. Entendo que o valor da reforma é uma ajuda para as pessoas subsistirem, porque pressuponho que cada um amealhou alguma coisa enquanto trabalhou, por isso não é tolerável que existam reformas no valor de dezenas ou centenas de milhares de euros por mês, aqueles que ganharam muito enquanto trabalharam também pouparam muito, não necessitam de reformas tão elevadas (ou se calhar nenhuma) enquanto outros não recebem aquilo que deveriam receber.

É minha convicção que nenhuma reforma deveria ultrapassar os quatro ordenados mínimos e nenhuma devia ser inferior a um ordenado mínimo. Desta forma, aqueles que viveram sempre bem e que têm outros meios de subsistência, porque pouparam ou herdaram, não receberiam os muitos milhares de euros por mês, revertendo para aqueles que sempre viveram mal, é o princípio da solidariedade social. Os escalões de reforma são uma solução.

Considero um atentado indecente, que em qualquer parte do mundo, haja quem receba 50.000 € por mês de reforma, ou um milhão de euros de ordenado mensal. Não há falta de riqueza, está é mal distribuída! Os culpados directos são os políticos, os indirectos são todos aqueles que votam em quadrilhas de incompetentes.

O Estado Social tal como nós o concebemos, com um serviço nacional de saúde, de assistência social e de educação, acessíveis a todos, necessita da contribuição de todos aqueles que trabalham, mas devemos exigir que esse dinheiro seja bem gerido para o sistema ser sustentável no futuro.

Creio que não devia haver reformas antecipadas para pessoas saudáveis, devem é existir tarefas alternativas na profissão de cada um. Por exemplo, os professores mais antigos acompanharem e ajudarem os professores mais novos bem como auxiliarem os alunos fora do contexto de aula. Creio que existem sempre tarefas de supervisão, controlo e inspeção que podem ser bem desempenhadas por aqueles que têm uma qualquer dificuldade devido à idade, o que seria bom para a sua própria saúde mental.

No futuro, com a diminuição do tempo de trabalho diário e a robotização, diminui a base de descontos para o sistema, por isso fala-se que é necessário que os robôs contribuam também para a segurança social como qualquer trabalhador. Esta medida é de difícil aplicação devido à definição do que é um robô, e teria que ser aplicada em todos os países da união europeia ao mesmo tempo.

Há muitas profissões de desgaste rápido, essas devem ser bem pagas e ter um limite máximo de permanência de cada trabalhador nessa profissão, ao fim do qual deveriam mudar obrigatoriamente de profissão. Não se pode exigir a uma bailarina que atue no palco até aos sessenta anos, tal como não se pode exigir que um médico que trabalhe até essa idade com o vigor de um jovem, mas os seus conhecimentos e experiência são essenciais para as novas gerações.

Fico perplexo quando vejo pessoas com cinquenta anos de idade dizerem que estão fartas de trabalhar e que querem a reforma (eu trabalhei 51 anos com descontos). São todos aqueles que trabalham que mantêm o Estado Social através dos descontos para a segurança social ou através dos impostos, por isso todos têm que contribuir, nas mesmas condições, para poderem usufruir dos benefícios do sistema, é o funcionamento do já referido princípio da solidariedade social.

Para existir a reforma é necessário que exista trabalho com descontos para a segurança social. O direito ao trabalho não significa que o Estado tenha quem empregar toda a gente, têm que ser as pessoas e as empresas a promoverem o seu posto de trabalho e desenvolvimento no espaço em que estão inseridas, para que todos nós possamos beneficiar das funções sociais do Estado.

O Estado Social só existe se houver vontade política e exigência dos eleitores, sem haver fugas ou subterfúgios aos direitos e deveres de cada cidadão.

 

Daniel Graça

28/08/2021