A divida pública

Uma família que tenha um rendimento fixo e cujas despesas mensais sejam sempre forçosamente superiores a esse rendimento, o que é que lhe acontece? É natural que lhe seja declarada a sua falência.

Da mesma forma pode acontecer a um país, Portugal já foi à falência várias vezes e foi sempre o Povo que pagou os desmandos dos governantes. De facto, é o Povo que produz e que consome os bens, por isso os governos que são forçados a pagar as dividas reduzem os rendimentos reais da população tendo por consequência a diminuição do consumo, piorando substancialmente as condições de vida das pessoas sem que estas possam fazer alguma coisa para contrariar essa realidade.

O PIB português (toda a riqueza criada) em 2020 foi 202 440 milhões de euros (estimativa).

A divida directa do Estado em 31/08/2021 era 273 737 milhões de euros, 135% PIB. Os tratados da EU fixaram como limite máximo da divida soberana em 63% do PIB, o Estado português tem uma divida directa superior ao dobro desse valor, a divida indirecta, se é conhecida, não é pública. De vez em quando ouvimos falar das dividas aos fornecedores do SNS e das empresas públicas, bem como aos empreiteiros das obras públicas.

Os juros da divida à taxa de 1% são 2 737 milhões de euros por ano, se a taxa de juro passar para 4% o valor dos juros aumenta para quase 11 000 milhões de euros, muito superior ao orçamento do ministério da saúde, o ministério que mais gasta neste país, é uma situação insustentável apesar de opiniões contrárias em alguns sectores políticos.

Se a divida continuar a aumentar têm que ser tomadas medidas drásticas qualquer que seja o governo. Há quatro opções possíveis:

1ª – Perdão de parte da dívida pelos credores, não acredito que aconteça.

Esta seria a opção mais favorável para os portugueses e seria tomada à custa dos grandes consórcios financeiros internacionais, tal como aconteceu com a Grécia que tomou essa decisão em tempo útil. Claro que essas entidades financeiras controlam a política internacional e os governos dos países pobres através do tráfico de influências e não só.

2ª – Emissão de divida perpétua a juros baixos, esta opção já aconteceu em Portugal na década de 90 do século XIX, com as chamadas obrigações centenárias. Neste caso serão as gerações vindouras que irão pagar os erros da geração actual. Serão as pessoas que irão nascer daqui a cinquenta anos que suportação a divida criada por nós, é uma opção moralmente deplorável. Esta opção assenta na esperança de existência futura de convulsões políticas, sociais e económicas que provoquem uma grande inflação e alteração na relação entre as moedas actuais, tal como aconteceu ao longo de século XX e que acontecerá previsivelmente neste século, os ciclos económicos verificados através das estatísticas e a análise das políticas seguidas em vários países, tornam espectável um cenário macroeconómico deste tipo.

3ª – Aumento dos impostos e apropriação de uma parte dos salários e aumento das horas de trabalho. Esta é uma opção aparentemente mais injusta e por isso impopular. Foi a opção tomada pelo governo do PSD, em 2011/15, para evitar o colapso do país, devido aos erros de governação nos anos anteriores. Não se pode distribuir riqueza que não produzimos enquanto país.

4ª – Saída do Euro e voltar ao Escudo, é a medida mais dolorosa de todas para a população, no curto, médio e longo prazo. De todas as opções, esta é a mais penalizadora para o povo, devido à imediata desvalorização monetária, subida rápida da inflação, enorme aumento do preço dos bens importados e nacionais, redução dos salários reais com a consequente perda do poder de compra. Se esta medida for posta em prática será a uma sexta-feira à tarde após o fecho dos bancos. Os euros serão convertidos automaticamente em escudos, serão menos penalizados a curto prazo aqueles que tiverem todas as suas poupanças em euros guardadas em casa ou numa conta bancária por exemplo em Espanha. Há pessoas que dizem desejar regressar ao Escudo, não sabem minimamente as consequências daquilo que defendem, se sabem têm interesses escondidos.

As chamadas “cartas de intenções” impostas pelo FMI aos governos de Mário Soares, em 1977 e 1983, continham estas e outras políticas que foram seguidas à risca pelo governo português, o que provocou uma inflação próxima dos 30% ao ano e reduziu o poder de compra em cerca de 25% ao ano, os aumentos salariais nominais que existiram, entre cinco e dez por cento, foram apenas para calar a boca aos trabalhadores, foi a chamada ‘ilusão monetária’. Como consequência reduziram-se as importações e aumentaram as exportações.

Uma certa aventesma disse há uns anos que as dividas não são para pagar, ele lá sabe o que faz na sua vida particular, não deve ter calos provocados pelo trabalho, mas parece que tem muitos seguidores no governo, há teorias que fazem escola.

A prioridade do Povo deve ser correr com os políticos facilitistas e incompetentes que governam o país só para obterem votos nas eleições sem fazerem reformas económicas, políticas e jurídicas absolutamente necessárias.

 

 

Daniel Graça

16/09/2021

 

 

https://postal.pt/opiniao/2021-09-28-A-divida-publica-6a712a2b

 

Que disciplinas e que currículos no ensino secundário

O sistema de ensino em Portugal precisa de ter à frente alguém com visão estratégica e com capacidade de decisão independentemente da estratégia partidária transitória.

As primeiras perguntas que o responsável político deve fazer são: que rumo deve seguir o país na cena internacional e o que devemos ensinar prioritariamente à juventude, compatibilizar e coordenar os currículos de todos os graus de ensino.

A seguir ao vinte e cinco de abril confundiram a igualdade de oportunidades com a igualdade de áreas de estudo, acabaram com o ensino técnico nas escolas comerciais e industriais, foi tudo estudar no liceu, como se fossemos todos iguais e precisássemos só de doutores, o resultado está à vista, não existem quadros intermédios qualificados, não existem canalizadores, eletricistas, serralheiros, mecânicos, contabilistas e outros mais. Tinha que ir toda a gente para a universidade para ter um canudo.

Nós temos inteligências diferentes, qualquer que seja o nível intelectual de cada um de nós, ter um bom eletricista é melhor do que ter um mau médico. As aptidões natas e vocações de cada pessoa foram escamoteadas. Nós nascemos diferentes e temos condições diferentes pelo que seguimos caminhos diferentes, há é que actuar nas condições sociais e de estudo de cada aluno dando-lhe as oportunidades de que necessita. O país precisa de ter um ensino técnico intermédio competente e eficaz.

Confundiram a aparência com a substância. O conceito de igualdade foi deturpado.

Creio que um aluno que nos primeiros anos não consiga aprender línguas não deve poder enveredar pelo estudo de línguas no secundário e universidade, só vai perder tempo e gastar recursos financeiros dos pais e do Estado, nunca será tradutor, isto não significa que não possa aprender alguma coisa de uma língua que lhe seja útil na vida. Porque é que um aluno que não tem aproveitamento satisfatório a matemática há-de poder ir estudar uma área de engenharia? Penso que é preciso orientar os alunos ao longo do seu percurso escolar, isso não se consegue fazer só com um psicólogo em três ou quatro escolas ao mesmo tempo, têm que ser os professores da turma a analisar cada situação.

Ao longo de trinta anos de ensino, apercebi-me que os alunos são obrigados a estudar coisas que não interessam para nada e muito menos para desenvolver o raciocínio, mas se não souberem reprovam! Há assuntos aos quais os alunos deveriam dedicar mais tempo, mas não podem porque os currículos são extensos. É um anacronismo oficial.

Ministrei, durante alguns anos, a disciplina de Introdução ao Desenvolvimento Económico e Social, na qual abordávamos os blocos militares, os blocos económicos, o comércio internacional, o estudo da sociedade como um todo político, social e económico. Era uma disciplina que estudava o nosso tempo e que permitia aos alunos situarem-se na sociedade do seu tempo. Matérias que lhes despertava o interesse. Como isso não interessava ao sistema político a disciplina foi retirada, tudo o que possa “prejudicar” os interesses instalados é eliminado.

Em democracia a política deve ser ensinada nas escolas para termos cidadãos conscientes dos seus deveres e direitos, claro que isso não interessa ao sistema partidário, creio que é a principal causa de abstenção política e afastamento da sociedade em relação aos partidos políticos e às eleições.

Recordo-me que numa reunião de professores, a propósito dos cursos profissionais, eu perguntei “… porque é que um aluno deve estudar História se o que ele quer é ser mecânico?”.  Claro que a pergunta foi mal recebida, eu entendi a reação.

Não me compete a mim, nem a qualquer outro cidadão, estar a delinear políticas educativas, mas compete a qualquer primeiro ministro escolher as pessoas certas para comandar os ministérios e não apenas para os gerir segundo os interesses partidários.

Quem governa deve ter uma visão estratégica de futuro para o país porque sem sabermos o que queremos para as gerações vindouras não conseguimos planear no presente.

 

Daniel Graça

05/09/2021

 

https://postal.pt/opiniao/2021-09-23-Que-disciplinas-e-que-curriculos-no-ensino-secundario–be9a46e8

O Trabalho, a Reforma e o Estado Social

Não vou tratar aqui em profundidade estes temas, deixo isso aos tratadistas, apenas vou abordar algumas verdades indesmentíveis, na minha opinião, pelo que não espero que todos os leitores estejam de acordo comigo.

Em eras primitivas, a caça e a recoleção de alimentos era feita pelos mais vigorosos, a distribuição era feita de igual forma por todos os elementos da comunidade. Da mesma forma, hoje há uma parte da sociedade que trabalha para o bem de todos. O problema situa-se no tempo de trabalho ao longo da vida, o que se recebe na reforma e a existência do estado social.

A idade da reforma tem que ser inferior à esperança de vida, se assim não fosse condenávamos as pessoas a trabalhar até ao fim da vida o que não é aceitável. Contudo, o resultado do trabalho de hoje tem que ser repartido para a subsistência actual da família, para um “mealheiro” da reforma, para a saúde, para a educação, bem como para a segurança e administração do bem comum.

Considerando a idade de reforma aos 67 anos e a esperança média de vida de 80 anos, quem começou a trabalhar com 18 anos trabalha 49 anos e quem começou a trabalhar aos 25 trabalha 42, têm 13 anos, em média, talvez mais talvez menos, para usufruir do que descontaram ao longo da vida profissional.

Como o que se desconta para a reforma é uma parte do ordenado, então não se pode exigir que o valor da reforma seja igual ou muito próximo do valor do ordenado enquanto trabalhador activo. Entendo que o valor da reforma é uma ajuda para as pessoas subsistirem, porque pressuponho que cada um amealhou alguma coisa enquanto trabalhou, por isso não é tolerável que existam reformas no valor de dezenas ou centenas de milhares de euros por mês, aqueles que ganharam muito enquanto trabalharam também pouparam muito, não necessitam de reformas tão elevadas (ou se calhar nenhuma) enquanto outros não recebem aquilo que deveriam receber.

É minha convicção que nenhuma reforma deveria ultrapassar os quatro ordenados mínimos e nenhuma devia ser inferior a um ordenado mínimo. Desta forma, aqueles que viveram sempre bem e que têm outros meios de subsistência, porque pouparam ou herdaram, não receberiam os muitos milhares de euros por mês, revertendo para aqueles que sempre viveram mal, é o princípio da solidariedade social. Os escalões de reforma são uma solução.

Considero um atentado indecente, que em qualquer parte do mundo, haja quem receba 50.000 € por mês de reforma, ou um milhão de euros de ordenado mensal. Não há falta de riqueza, está é mal distribuída! Os culpados directos são os políticos, os indirectos são todos aqueles que votam em quadrilhas de incompetentes.

O Estado Social tal como nós o concebemos, com um serviço nacional de saúde, de assistência social e de educação, acessíveis a todos, necessita da contribuição de todos aqueles que trabalham, mas devemos exigir que esse dinheiro seja bem gerido para o sistema ser sustentável no futuro.

Creio que não devia haver reformas antecipadas para pessoas saudáveis, devem é existir tarefas alternativas na profissão de cada um. Por exemplo, os professores mais antigos acompanharem e ajudarem os professores mais novos bem como auxiliarem os alunos fora do contexto de aula. Creio que existem sempre tarefas de supervisão, controlo e inspeção que podem ser bem desempenhadas por aqueles que têm uma qualquer dificuldade devido à idade, o que seria bom para a sua própria saúde mental.

No futuro, com a diminuição do tempo de trabalho diário e a robotização, diminui a base de descontos para o sistema, por isso fala-se que é necessário que os robôs contribuam também para a segurança social como qualquer trabalhador. Esta medida é de difícil aplicação devido à definição do que é um robô, e teria que ser aplicada em todos os países da união europeia ao mesmo tempo.

Há muitas profissões de desgaste rápido, essas devem ser bem pagas e ter um limite máximo de permanência de cada trabalhador nessa profissão, ao fim do qual deveriam mudar obrigatoriamente de profissão. Não se pode exigir a uma bailarina que atue no palco até aos sessenta anos, tal como não se pode exigir que um médico que trabalhe até essa idade com o vigor de um jovem, mas os seus conhecimentos e experiência são essenciais para as novas gerações.

Fico perplexo quando vejo pessoas com cinquenta anos de idade dizerem que estão fartas de trabalhar e que querem a reforma (eu trabalhei 51 anos com descontos). São todos aqueles que trabalham que mantêm o Estado Social através dos descontos para a segurança social ou através dos impostos, por isso todos têm que contribuir, nas mesmas condições, para poderem usufruir dos benefícios do sistema, é o funcionamento do já referido princípio da solidariedade social.

Para existir a reforma é necessário que exista trabalho com descontos para a segurança social. O direito ao trabalho não significa que o Estado tenha quem empregar toda a gente, têm que ser as pessoas e as empresas a promoverem o seu posto de trabalho e desenvolvimento no espaço em que estão inseridas, para que todos nós possamos beneficiar das funções sociais do Estado.

O Estado Social só existe se houver vontade política e exigência dos eleitores, sem haver fugas ou subterfúgios aos direitos e deveres de cada cidadão.

 

Daniel Graça

28/08/2021

 

O 11 de Setembro

O 11 de Setembro nos Estados Unidos nunca me impressionou. Tenho pena daqueles que morreram sem culpa de nada, mais nada.

Naquele dia pensei que finalmente os Estados Unidos começavam a ter dentro das suas fronteiras a ‘fruta que cultivaram’ em dezenas de países, enganei-me.

Morreram menos de quatro mil pessoas naquele atentado, muito mais do que isso morrem diariamente à fome por esse mundo fora e ninguém levanta monumentos em sua memória, pelo contrário calam essa realidade. Foi uma ínfima amostra do que semearam na Coreia, no Vietname, no Iraque, no Afeganistão, na Síria, e em menor escala no Chile (derrube do governo democrático de Allende), em Cuba (Guantánamo e bloqueio) e outros locais. Lembram-se de quem era o embaixador dos EU no Chile aquando do golpe militar de Pinochet e que foi nomeado embaixador em Portugal a seguir ao vinte e cinco de abril? Sim, aquele que tinha reuniões secretas de ‘trabalho’ com o primeiro ministro português – segundo ele próprio disse na televisão -, no sótão da embaixada dos EU em Lisboa.

Foram os EU que deram instrução militar a Bin Laden enquanto serviu os seus interesses de fornecimento de armamento aos conflitos locais, quando deixou de servir os seus interesses … mataram-no, o que já tinham feito com Saddam Hussein.

Finalmente os EU disseram que não querem ser mais os polícias do mundo, ainda bem porque só fizeram porcaria. Saíram do Afeganistão com o ‘rabo entre as pernas’, para saírem pediram segurança àqueles contra quem lutaram vinte anos.

A ganância e o desejo de supremacia mundial conduziram à produção em massa de armamento para matar pessoas em vez de produzir comida e bens para matar a fome no mundo. Um míssil balístico custa muitos milhões de euros, quantas plantações, escolas e hospitais se fariam com esse dinheiro? Porque me hei-de importar com os problemas dos países que não se importam com o mal que eles próprios fazem à humanidade?

A África, o Brasil e as alterações climáticas são os exemplos perfeitos do saque infame levado a cabo por alguns países ditos ricos. Os países de África são pequenos peões no xadrez jogado no G7 e no G20, enquanto vão sendo saqueados através do comércio internacional. As pedras, os metais preciosos e a madeira da Amazónia são delapidados enquanto os índios locais vão sendo exterminados. As alterações climáticas são o resultado do uso e abuso na utilização do carvão e do petróleo para produzir a riqueza que muitos ostentam em detrimento dos milhares de milhões que vivem na miséria.

Calem as armas e ouçam o gemido da humanidade.

Li algures que “Um reino só é rico quando o seu povo vive bem.”

Não tenho nenhum curso de protocolo diplomático, por isso digo o que penso nestas crónicas opinativas do nosso tempo.

 

Daniel Graça

05/09/2021

https://postal.pt/opiniao/2021-09-07-O-11-de-setembro-15c1743e